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Arquitetos: Ana de Bastos, Filipe Xavier Oliveira
- Área: 1000 ft²
- Ano: 2019
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Fabricantes: BRUMA, Ezarri, Magres, Sosoares, Valadares, Wicanders
“What surprises me most in architecture, as in other techniques is that a project has one life in its built state, but another in its written or drawn state” Aldo Rossi, A Scientific Autobiography (1981)
A casa de Arouca é um exemplo de teoria posta em prática enquanto a arte de bem saber pensar o espirito do tempo, extraindo as potencialidades dentro das restrições existentes, colocando em Ordem a construção. A estrutura profunda da arquitectura entendida como uma linguagem de Padrões (Christopher Alexander, 1977) está relacionada com os saberes dos arquitectos e possui um significado quadrimensional que atesta a sua complexidade: saber-ser (Espaço); saber-fazer (Técnica); saber-pensar (Pensamento) e saber-comunicar (Tempo).
PENSAMENTO - SABER-PENSAR
O conceito da Casa em Arouca enquanto “olho que tudo vê ”( semiótica) está relacionado com a sua implantação entendido como um “olho visto do céu”. Observa a extensão da paisagem virada a sul fechando-se a norte num gesto continuo. A habitação desenvolve-se ao longo do arco em meia-lua (pálpebra superior), com a piscina semicircular centrada como Iris.
A casa de Arouca, cujos clientes pertencem ao ramo da construção, é um tributo aos “mestres-pedreiros”, arquitectos e engenheiros, enquanto construtores de uma arquitectura real, para gente real, uma ode ao atingível que procura o controlo sobre a paisagem. O facto de estar sobreelevada face ao plano de rua permite a vigilância sobre o vale e as montanhas, tirando partido da topografia natural do lugar (genius loci) com vista à relação homem-natureza que caracteriza o habitar no campo.
ESPAÇO - SABER-SER
Em termos de espacialidade a casa de Arouca apresenta uma dupla génese estrutural: estereotómica e tectónica. A estrutura apresenta sempre uma dupla-função: técnica e espacial. Tira partido das paredes resistentes (muro) em forma de arco para as zonas de circulação, conjugada com uma logica reticular (de esqueleto) para a subdivisão funcional e espacial.
Os volumes excêntricos, sob a forma de “pestana”, servem os espaços de serviço, em sequência funcional: Garagem-lavandaria-pátio. Os espaços sociais e de dormir desenvolvem-se em sequência lógica, funcional e modular, do mais publico (sala, cozinha e escritório) ao mais privado (quartos e por fim, suite), formando a “pálpebra” superior do olho.
Esta organização espacial é coincidente com a métrica estrutural, funcional e espacial tirando partido do espaço livre de circulação como um grande arco que percorre toda a extensão da casa: uma “galeria de memórias” dos utentes (quadros, fotografias, esculturas, etc.) - a “retina” do olho. As paredes ortogonais permitem a distribuição do mobiliário de uma forma racional e organizada. A lareira é a peça central da sala enquanto espaço de fogo e de reunião subdividindo subtilmente: sala de estar, jantar e kitchenette. A sala é a “imagem formada” do interior da casa: um espaço amplo e dinâmico, com a paisagem emoldurada por uma galeria exterior que protege da exposição solar. A piscina semicircular, localizada a eixo, funciona como Iris.
TÉCNICA - SABER-FAZER
“Each material has its own message and, to the creative artist, its own song” (Wright, 1928)
O betão armado enquanto escolha de material é a nota musical da “música petrificada”. Tira partido da cofragem perdida em madeira como adorno de fachada e expressão tectónica da arquitectura. A expressão do betão natural remete para as construções em alvenaria de pedra, numa procura de um diálogo construtivo entre o passado, o presente e o futuro.
TEMPO - SABER-COMUNICAR
A sociedade de vigilância e do espectáculo (internet, redes sociais, reality tv) que Guy Debord (1967) sabiamente alertou, é aqui reinterpretada enquanto “espirito do tempo”, uma alegoria ao provérbio: “Em terra de cegos quem tem um olho é rei” (Henry Gordon Wells, 1904).
A exigência por parte dos clientes de uma casa contemporânea que fosse diferente das demais, foi a oportunidade para uma arquitectura simbólica e emocional em continuidade com os valores que caracterizam a arquitectura portuguesa no Norte de Portugal - regionalismo critico. Acrescentou-se o espirito crítico, produto de reflexão e síntese sobre o espirito do tempo, recorrendo à teologia iconográfica, na procura da universalidade do tema – “o olho que tudo vê”.
O olho enquanto “tema” conceptual representa um pensamento profundo sobre a condição humana, a importância da espiritualidade e da consciência na construção de um futuro em contínua mecanização. Referindo-se à disciplina da psicologia ligada à cultura e às artesEdgar Morin (1991, p.26) sobre a natureza humana complexa, contraditória e mística, descreve:“ (…) o Homo Sapiens é também indissoluvamente Homo Demens, que o Homo Faber é ao mesmo tempo Homo Ludens, que Homo Economicus é aos mesmo tempo Homo Mythologicus, que Homo Prosaicus é também Homo Poeticus”.
Vilanova Artigas sobre a arquitectura dizia: “Admiro os poetas. O que eles dizem com duas palavras, a gente tem que exprimir com milhares de tijolos” (1973). O preço do tijolo é o mesmo na construção civil e na Arquitectura. A arquitectura enquanto arte do real, pressupõe arquitectos e engenheiros a trabalhar em uníssono, cada um dentro dos seus domínios de conhecimento. Arquitectura não é construção civil – é Arquitectura. É saber-ser pensamento, espaço, técnica e comunicação tudo ao mesmo tempo.